Fiocruz

A rápida dispersão de algumas variantes do Sars-CoV-2 foi associada a relatos de reinfecção por Covid-19, com base, por exemplo, na alta prevalência da P.1 nos dois primeiros meses após seu surgimento. Diante desse cenário, pesquisadores da Fiocruz Pernambuco e integrantes da Rede Genômica da Fundação buscaram verificar quais seriam os reais mecanismos por trás das reinfecções. A hipótese inicial era que uma maior competência das novas variantes se ligavam às células do hospedeiro humano, porém o resultado apontou para uma direção diferente. De acordo com o coordenador do estudo e pesquisador da Fiocruz Pernambuco, Roberto Lins, foi observado que os anticorpos gerados na primeira onda da pandemia não conseguiriam neutralizar eficientemente as variantes de preocupação estudadas. Essas novas mutações sofridas pelo vírus, na realidade, proporcionaram ao mesmo a capacidade de escapar da resposta imune do organismo.

Os resultados estão no artigo Immune Evasion of Sars-CoV-2 Variants of Concern is Driven by Low Affinity to Neutralizing Antibodies, que acaba de ser publicado na revista científica Chemical Communications. São autores, além do próprio Roberto Lins, o pesquisador da Fiocruz Pernambuco Gabriel Wallau; os doutorandos em Química Emerson Gonçalves Moreira e Matheus Ferraz; e o pós-doutor em Química Danilo Coelho (todos com formação acadêmica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atuando na Fiocruz Pernambuco em pesquisas ligadas ao monitoramento da Rede Genômica). 

Josué Damacena (IOC/Fiocruz)

Metodologia

É de especial interesse para as pesquisas voltadas para o monitoramento das novas variantes o estudo das mutações no genoma viral (em particular, no gene da glicoproteína Spike (proteína S), que promove a entrada nas células humanas a partir da interação com a Enzima Conversora de Angiotensina 2 (hACE2), molécula que atua como receptor do vírus). A capacidade de se ligar à hACE2 pode tornar-se maior ou menor de acordo com as alterações na estrutura da proteína S, que variam entre linhagens do Sars-CoV-2 e cada uma de suas variantes. Essas alterações na estrutura da proteína S podem também resultar em uma menor capacidade de anticorpos gerados em resposta a uma infecção — ou, possivelmente, mesmo após a vacinação — de se ligarem à proteína S e neutralizar a capacidade do vírus de causar infecção.

A presente publicação investiga estes dois possíveis cenários das mutações da proteína S detectadas em variantes como a P.1, variantes da linhagem B.1.351 e a B.1.1.7: a de uma interação “mais forte” com o receptor hACE2 ou a de uma interação “mais fraca” com os anticorpos anti-proteína-S. A publicação é resultado do processo completo de editoração, com revisão por pesquisadores independentes, do preprint publicado inicialmente por pesquisadores da rede em março de 2021. O artigo descreve uma série de experimentos feitos por modelagem computacional das moléculas envolvidas (hACE2, anticorpos e as diversas “versões” da proteína S, referentes a cada uma das variantes estudadas).

Com base na simulação computacional da interação entre as moléculas, foi possível verificar que a alteração da estrutura da proteína S não teve efeitos marcantes na interação com o receptor hACE2. Por outro lado, ao simular a interação dos anticorpos gerados em resposta a linhagens iniciais do Sars-CoV-2 com a proteína S das novas variantes, foi possível ver que há uma diminuição na ligação entre as moléculas, um achado que aponta para um potencial de “escape” da resposta imune. Segundo essa hipótese, as novas variantes seriam mais eficazes em fugir da neutralização proporcionada por anticorpos, e este seria um mecanismo mais relevante para explicar seu rápido espalhamento pela população. 

É importante ressaltar que, baseados em algumas medidas de afinidade entre variações da proteína S e o receptor hACE2, outros grupos de pesquisa previamente sugeriram que o aumento da transmissibilidade estaria relacionado com uma maior afinidade entre a proteína viral e o receptor humano, em contraste com os resultados do presente estudo. Contudo, estes estudos não exploraram a interação das diferentes proteínas S das variantes de preocupação com os anticorpos neutralizantes. Também têm sido recentemente observados casos de reinfecção por variantes em pacientes recuperados de infecções anteriores, mesmo ainda produzindo anticorpos. “Isto indica que o escape da neutralização por anticorpos já é uma realidade que influencia os rumos da pandemia”, explica Lins. O artigo mostra ainda que o método utilizado pelos pesquisadores é capaz de prever se uma nova variante tem o potencial de ser uma variante de preocupação (VOC).