Desde os anos 1960 e 1970, conhecer a sociedade que se busca influenciar eleitoralmente tem como base as pesquisas qualitativas [investigação em profundidade com pequenos grupos de pessoas de diferentes opiniões debatendo temas específicos] e quantitativas [investigação em campo, com número grande número de pessoas e questionários fixos]. Com a Inteligência Artificial (IA), é possível elevar esse nível de influência prática a outro patamar de sofisticação.
Com dados coletados por uma variedade de plataformas nos smartphones dos eleitores, rastreiam-se seus desejos, anseios e medos mais íntimos de modo preciso e, com base nesses dados, afetar até as suas opções de votação. O ser humano é altamente manipulável, como tem provado a neurociência, e essa manipulação pode ser ativada através de “gatilhos” fazendo com que, mesmo pessoas até então desconhecidos e sem ligação com o “mercado eleitoral”, possam fazer propaganda com grande impacto em períodos relativamente curtos, sobremodo perto dos pleitos.
Já está comprovado através de farta documentação que a IA da empresa britânica Cambridge Analytics (CA), especializada em programas de mudança comportamental com o objetivo de “influenciar eleições”, ajudou a eleger o presidente Donald Trump nos EUA e garantiu a vitória a favor do Brexit. Essa poderosa máquina invisível ativou um sistema que se apossava da personalidade de votantes individuais, alavancando a manipulação emocional com enxames de bots (robôs), criando assim o ambiente para grandes mudanças na opinião pública – o “efeito manada”.
Essas tecnologias já haviam sido usadas em pleitos anteriores com algum resultado, mas juntas passam a operar como uma máquina quase impenetrável de manipulação do votante, afetando eleições em todo o mundo. Os algoritmos traçam o perfil de milhões de pessoas e selecionam quem se enquadra para receber determinado conteúdo, tarefa manualmente impossível até mesmo para um grupo grande de cientistas.
A da Cambridge Analytics foi desativada após o escândalo de dados do Facebook que envolveu a coleta de informações pessoais de até 87 milhões de usuários da plataforma, utilizadas para influenciar a opinião de eleitores em vários países.
sta quinta-feira, 12, num grupo de WhatsApp, o deputado estadual do PTB de Sergipe Rodrigo Valadares acusou o projeto RenonaBR, uma iniciativa de mobilização política idealizada pelo empreendedor e investidor Eduardo Mufarej para apoiar o surgimento de novas lideranças no Brasil – especialmente, jovens com boa formação educacional –, de utilizar-se da IA, nos moldes da Cambridge Analytics, para influir no pleito de 2018, incluindo neste rol a eleição surpreendente [e ainda pouco explicada] do senador do Cidadania Alessandro Vieira.
Em vários momentos após o pleito de 2018, em conversas com colegas jornalistas e políticos, alertei para a suspeita de haver algo estranho do ponto de vista eleitoral e de marketing político por trás do crescimento exponencial, nas proximidades da votação, da intenção de votos de Alessandro Vieira, além, obviamente, do erro crasso dos adversários – excetuando Rogério Carvalho – de pedir votos para ele. Segundo Rodrigo Valadares agora aponta, um processo avançado de captação de dados e disparo de material de campanha extraoficial teria impulsionado esse crescimento.
Temos um desafio pela frente, pois a coisa é séria, muito séria mesmo! Inclusive, já conversei com alguns candidatos a prefeito de Aracaju a fim de se prepararem para enfrentar o uso desse esquema no pleito deste ano. Quatro etapas são fundamentais para evitar o impacto dessa interferência eleitoral, com base no que se viu em 2018: (1) rastrear a exposição à manipulação; (2) combinar esses dados de exposição com dados sobre o comportamento da votação; (3) avaliar os efeitos das mensagens manipulativas no comportamento e (4) calcular o impacto agregado das mudanças de comportamento no resultado da eleição.
“A inteligência artificial é uma das coisas mais profundas em que estamos trabalhando como humanidade. É mais profundo do que o fogo ou a eletricidade”, disse o presidente da Alphabet, Sundar Pichai, em entrevista no fim de janeiro, durante o Fórum Econômico Mundial. Espero que as palavras dele ecoem entre os políticos sergipanos – e também os do Brasil – para termos uma eleição limpa e sem maiores interferências da IA e, portanto, do poder econômico.
David Leite é consultor em Marketing Político e Eleitoral.
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